domingo, dezembro 31, 2006

Ocaso






"Meu tempo é hoje."






Começou bem cedo aquela chuva

Sem fazer ruído e me roendo

Como se saudasse o inverno no meu coração

Como se soubesse o quanto eu estava sofrendo

Suportei na hora meu maior tormento

Até silenciar com resignação

Esperando o sol que não apareceu

E enxugando os prantos da desilusão

Chuva pode cair a vontade

Hoje eu não sinto saudade

A solidão terminou

São apenas lembranças de um tempo tão distante

Trazidos pela nostalgia que nesta manhã você me despertou.

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Chuva, sexta faixa desse álbum sublime de 1975, disponível para download no link abaixo.

Inspirado pelo clima deste último dia de 2006.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

O custo social das reservas internacionais

No final de novembro, o Banco Central orgulhosamente anunciou o novo recorde do nível das reservas internacionais brasileiras, algo próximo de USD 84 bilhões. Há duas décadas e meia, às vésperas da crise deflagrada pelo default do México em 1982, os países emergentes mantinham a relação reservas internacionais/PIB entre 5% e 7%, cifras correspondentes em média, a três meses de importação. Dados de 2004, mostram que a relação reservas/PIB saltou para 35%, representando por sua vez a oito meses de importação.
A acumulação de reservas estrangeiras por parte dos países em desenvolvimento, intensificou-se no início dos anos 90 com o surgimento da chamada "globalização financeira", quando uma onda de liquidez global proporcionou um forte movimento de capitais dos países desenvolvidos para os emergentes. No decorrer da década, várias crises financeiras ocorreram (Turquia em 94, México em 95, Ásia em 97, Russia em 98 e Brasil em 99, ainda teria Argentina 2001), e no intuito de blindar suas economias das intempéries mundo afora(obviamente, intruídos por FMI e afins), as autoridades econômicas dos países emergentes exacerbaram o conceito da política de acumulação de reservas, retaliando outras estratégias que poderiam e deveriam ser aplicadas simultaneamente.
Após a crise da Ásia, um economista chamado Martin Feldstein, concluiu que os países em desenvolvimento não devem depender exlusivamente das reformas propostas pelo FMI para se prevenirem de crises externas, mas sobretudo, trabalharem uma auto-proteção baseada no aumento de liquidez . Por sua vez, tal liquidez pode ser atingida através de três estratégias: Diminuição do endividamento de curto prazo; Expansão de crédito e a famigerada acumulação de reservas.
Pegando o gancho de Feldstein, o competente economista de Harvard, Dani Rodrik, publicou recentemente um ensaio sobre as possíveis razões da adoção monopolística da política de acumulação de reservas, onde aponta o custo social que tal medida acarreta. Rodrik não encontra justificativas racionais para o fato de a maioria dos emergentes não terem reduzido o endividamento de curto prazo, pois a preferência pelas reservas estrangeiras não traz nenhum benefício direto no que se refere ao investimento produtivo, e dispara: "Somos levados à conclusão incontornável de que os emergentes responderam à globalização financeira de uma forma desequilibrada, longe de ser a mais adequada. Investiram na custosa estratégia de acumular reservas e subutilizaram métodos de controle de capitais. É fácil descobrir as razões de tal cometimento: ao contrário da acumulação de reservas, impor controles ao endividamento de curto prazo contraria poderosos interesses, dentro e fora de cada país. O controle de capitais ganhou a péssima reputação de "intervenção no mercado" que a formação de reservas não tem". O pandemônio ocorrido na bolsa da Tailândia após o anuncio de uma série de medidas de controle de capitais especulativos, é a prova cabal das afirmações de Rodrik.

Ensaio integral em inglês disponível no link abaixo.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Retrato do país.


" Os que defendem os "erros" cometidos pelo governo Lula e pelo PT estão, de fato, abandonando o próprio exercício do pensamento, que não pode se tornar refém da servidão política. Se a "causa" toma o lugar da verdade e da liberdade, muito pouco se pode esperar da reflexão, da crítica. Lula ganhou, a ética e a verdade perderam."
Denis Lerrer Rosenfeld, doutor pela Universidade de Paris, é professor titular de filosofia da Universidade Federal do RS.



No dia antecedente ao domingo eleitoral de segundo turno, um amigo dos tempos em que o ensino médio ainda era chamado de colegial, ofereceu o tradicional churrasco em celebração de seus 33 anos completos. Após longa data, reencontrei várias pessoas que permearam minha vida quando cursava a primeira faculdade em Piracicaba, todos amigos em comum. Era um tempo de descobertas, sonhos, ideologia, desejos e aspirações das mais diversas e efêmereas, mas sobretudo, de muita, muita inocência intelectual, apesar de, à época, a percepção apontar para o extremo oposto.
Após sair da casa do amigo, divagava sobre o efeito interior que aquela reunião me causaria, e até hoje não cheguei a nenhuma conclusão definitiva. Todavia, me impressionou como todos ainda se consideram "alternativos" ( seja lá o que esse rótulo possa sugerir em termos de comportamento), e totalmente pró-Lula! Ficaram estarrecidos quando respondi que estava entre nulo e Alckmin. Um verdadeiro ato de traição daquele que um dia, em tempos de efervescência cívica pós-Collor, fazia campanha para o companheiro Luis Inácio no campus da faculdade em 94. Será que só eu cheguei à conclusão de que tudo aquilo era um pseudo-engajamento, mais propenso para happening social do que para exercício político?
Um copo jogado na rua pelo motorista da frente trouxe-me de volta ao presente. Isso ainda acontece mesmo? Nos faróis, bandeiras empunhadas pelos filhos desamparados da nação, não me permitiam ao esquecimento do direito (que no nosso caso é um dever) ao acesso participativo do sistema democrático que se daria no dia seguinte.
De fato, admito que votar no Alckmin não foi nada fácil. Principalmente depois de toda a celeuma em relação às declarações do Nakano sobre os cortes nos gastos públicos, quando o Sr. ex-governador mostrou-se cínico e dissimulado, pois não seria tão burro a ponto de nem mesmo ler seu programa de governo, onde sim contempla esse tema, conforme discurso do excelente economista. Contudo, perder a capacidade de se indignar é um dos piores indicadores sociais de uma nação. Foi assim em 98, e agora mais uma vez o povo brasileiro se apresenta acomodado.
A sociedade não se transforma através de decreto, mas sim pela mudança de atitude de seus componentes. A corrupção não é exclusiva em negociatas envolvendo dinheiro público, ela está com aquele que fura filas, no tráfego pelo acostamento ou na parada em fila dupla, na cobiça da mulher alheia, na omissão da verdade num diálogo, enfim, é onipresente em nossas relações atuais. E a reeleição do Sr. "nunca-ninguém-jamais-fez", foi a maior demonstração de que Mario de Andrade tinha razão ao afirmar: "O brasileiro não tem caráter. E com a palavra caráter não determino apenas uma realidade moral não, em vez, entendo a entidade psíquica permanente se manifestando por tudo, nos costumes, na ação exterior, no sentimento, na língua, na História, na andadura, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional".

terça-feira, outubro 31, 2006

Mudança climática e seus efeitos econômicos

A pedido do governo britânico, o ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern, produziu um relatório de revisão onde expos a correlação das alterações do clima no planeta, e seus efeitos econômicos extremamente negativos. Abaixo, em tradução livre, o resumo do resumo com as conclusões do estudo:


Empregando os resultados de modelos econômicos formais, a Revisão estima que, se não agirmos, os custos e riscos gerais da mudança climática serão equivalentes a perder no mínimo 5% do produto bruto global a cada ano, agora e para sempre. Se uma gama maior de riscos e impactos for levada em conta, as estimativas de perdas podem subir para 20% do produto, ou mais. Em contraste, os custos da ação - reduzir emissões de gases-estufa para evitar os piores impactos da mudança climática - podem ser limitados a cerca de 1% do produto global anual.
Os investimentos que forem feitos nos próximos 10 a 20 anos terão efeito profundo no clima da segunda metade deste século e do próximo. Nossas ações no presente e nas décadas vindouras podem trazer o risco de uma grande ruptura da atividade econômica e social, em escala similar à associada com as grandes guerras e com a depressão econômica da primeira metade do século XX. E será difícil ou impossível reverter essas mudanças.

clique no link para visualização do resumo (em inglês) :

quarta-feira, setembro 06, 2006

So What







"The difference between me and other musicians is that I've got charisma"








1959. Ano de grandes perdas para a música americana e mundial. Um acidente aéreo vitimou os jovens rockers Buddy Holly, Richie Valens e The Big Bopper. O mundo do jazz chorou as partidas do saxofonista Sidney Bechet, e da sublime e controvertida Lady Day, Billie Holiday. Na esfera política, a morte mais significativa foi de John Foster Dulles, o Secretário de Estado Americano desde 1953 sob o governo Eisenhower. Dulles foi um dos fundadores da Otan e sua política internacional contribuiu para o recrudescimento das relações bipolares em tempos iniciais de guerra fria.
Propaganda e cinema consolidaram o american way of life como um grande poder de influência, na década que talvez tenha assistido o ápice do sonho americano. A prosperidade econômica possibilitou o advento da chamada sociedade de consumo, formaram-se os subúrbios da emergente classe média, como resultado da pressão demográfica urbana.
Indiferente a tamanha euforia nacionalista, Miles Davis soprava a plenos pulmões: So What? Articulado, sabia bem que à seus irmãos negros restava o pesadelo da subjugação, sendo considerados cidadãos apenas quando do oferecimento militar de suas carcaças, ou de sua força e suor na expansão do pujante novo império.
Este vídeo magistral é parte de um programa do canal de TV CBS, dirigido por Jack Smight (o mesmo diretor de Aeroporto), apresenta Miles e seu primeiro grande quinteto no auge do entrosamento. John Coltrane, Wynton Kelly, Paul Chambers, Jimmy Cobb e Gil Evans e sua orquestra em total sintonia com o carismático líder, que, enquanto observa os solos de Coltrane, fuma seu charuto em característica postura blasé, sofisticação européia diria Bird.
Neste mesmo ano, a ilha caribenha fornecedora de seu fumo iniciava a jornada utópica do comunismo. Por aqui vivia-se um período
célebre, com a conquista da primeira Copa do Mundo, o estouro da Bossa Nova e o plano de metas de Juscelino.
Tal obra, só poderia ser fruto de uma época permeada de encanto. Mesmo que efêmero, superficial ou até ilusiório, ainda assim existiu e moveu as paixões daquela geração.

Bom proveito.



sexta-feira, setembro 01, 2006

Tirania fatídica.

um tempo para nascer,
um tempo para morrer,
um tempo para plantar,
um tempo para arrancar o plantado,
um tempo para matar,
um tempo para curar,
um tempo para destruir,
um tempo para edificar,
um tempo para chorar,
um tempo para rir,
um tempo para lamentar,
um tempo para dançar,
um tempo para espalhar pedras,
um tempo para ajuntá-las,
um tempo para abraçar,
um tempo para abster-se de carinhos,
um tempo para procurar,
um tempo para perder,
um tempo para guardar,
um tempo para jogar fora,
um tempo para rasgar,
um tempo para costurar,
um tempo para calar,
um tempo para falar,
um tempo para amar,
um tempo para odiar,
um tempo para a guerra
e um tempo para a paz.

Eclesiastes.