segunda-feira, novembro 06, 2006

Retrato do país.


" Os que defendem os "erros" cometidos pelo governo Lula e pelo PT estão, de fato, abandonando o próprio exercício do pensamento, que não pode se tornar refém da servidão política. Se a "causa" toma o lugar da verdade e da liberdade, muito pouco se pode esperar da reflexão, da crítica. Lula ganhou, a ética e a verdade perderam."
Denis Lerrer Rosenfeld, doutor pela Universidade de Paris, é professor titular de filosofia da Universidade Federal do RS.



No dia antecedente ao domingo eleitoral de segundo turno, um amigo dos tempos em que o ensino médio ainda era chamado de colegial, ofereceu o tradicional churrasco em celebração de seus 33 anos completos. Após longa data, reencontrei várias pessoas que permearam minha vida quando cursava a primeira faculdade em Piracicaba, todos amigos em comum. Era um tempo de descobertas, sonhos, ideologia, desejos e aspirações das mais diversas e efêmereas, mas sobretudo, de muita, muita inocência intelectual, apesar de, à época, a percepção apontar para o extremo oposto.
Após sair da casa do amigo, divagava sobre o efeito interior que aquela reunião me causaria, e até hoje não cheguei a nenhuma conclusão definitiva. Todavia, me impressionou como todos ainda se consideram "alternativos" ( seja lá o que esse rótulo possa sugerir em termos de comportamento), e totalmente pró-Lula! Ficaram estarrecidos quando respondi que estava entre nulo e Alckmin. Um verdadeiro ato de traição daquele que um dia, em tempos de efervescência cívica pós-Collor, fazia campanha para o companheiro Luis Inácio no campus da faculdade em 94. Será que só eu cheguei à conclusão de que tudo aquilo era um pseudo-engajamento, mais propenso para happening social do que para exercício político?
Um copo jogado na rua pelo motorista da frente trouxe-me de volta ao presente. Isso ainda acontece mesmo? Nos faróis, bandeiras empunhadas pelos filhos desamparados da nação, não me permitiam ao esquecimento do direito (que no nosso caso é um dever) ao acesso participativo do sistema democrático que se daria no dia seguinte.
De fato, admito que votar no Alckmin não foi nada fácil. Principalmente depois de toda a celeuma em relação às declarações do Nakano sobre os cortes nos gastos públicos, quando o Sr. ex-governador mostrou-se cínico e dissimulado, pois não seria tão burro a ponto de nem mesmo ler seu programa de governo, onde sim contempla esse tema, conforme discurso do excelente economista. Contudo, perder a capacidade de se indignar é um dos piores indicadores sociais de uma nação. Foi assim em 98, e agora mais uma vez o povo brasileiro se apresenta acomodado.
A sociedade não se transforma através de decreto, mas sim pela mudança de atitude de seus componentes. A corrupção não é exclusiva em negociatas envolvendo dinheiro público, ela está com aquele que fura filas, no tráfego pelo acostamento ou na parada em fila dupla, na cobiça da mulher alheia, na omissão da verdade num diálogo, enfim, é onipresente em nossas relações atuais. E a reeleição do Sr. "nunca-ninguém-jamais-fez", foi a maior demonstração de que Mario de Andrade tinha razão ao afirmar: "O brasileiro não tem caráter. E com a palavra caráter não determino apenas uma realidade moral não, em vez, entendo a entidade psíquica permanente se manifestando por tudo, nos costumes, na ação exterior, no sentimento, na língua, na História, na andadura, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional".

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