Não estava só, ao contrário, estava cercado por uma algaravia típica das reuniões festivas de final de ano, mas vivia estranho e paradoxal sentimento de solidão. Há muitos anos já se desencantara com a repetição cíclica dos eventos de uma vida ordinária, férias, feriados, festas, aniversários, casamentos, carnaval, natal e reveillon, tudo isso ainda tinha sabor, claro, mas todos bem temperados com certa dose de banalidade. Esse é o ônus da experiência. Lamentava nutrir sentimentos melancólicos enquanto todos os demais gozavam momentos de genuína alegria. E sempre se fazia a mesma pergunta: "O que afinal há de errado comigo?" Sabia que não existia uma resposta objetiva, pelo simples fato de não haver como classificar de certo ou errado uma condição subjetiva, ainda mais sendo de caráter momentâneo. Todavia, tinha alguma idéia sobre aquele incômodo, e residia na constatação de que tudo aquilo era um ritual, um castelo de cartas marcadas, onde a maioria agia conforme a herança dos costumes, um espólio comportamental. Nenhum problema com o fato empírico, pelo contrário, eram dias ótimos: família reunida, toda gente animada, atitudes cordiais nas ruas, serenidade, saúde, fraternidade, paz e prosperidade sendo emanados a todo momento, e sobretudo, o tempo concebido de maneira mais relaxada. Eram, de fato, dias mais agradáveis. O problema mesmo era entender o 'neolítico moral'.
Compreendia o fato de que, do ponto de vista moral, ainda vivemos na era neolítica, quer dizer, não somos completamente rudes e, no entanto, ainda não deixamos para trás o estágio da maior rusticidade de modo a justificar qualquer celebração. Aceitava estoicamente que aquele que profera a paz em dezembro, é o mesmo que praguejava no trânsito em agosto; O desejo de prosperidade de hoje é o regozijo dissimulado de ontem pelo fracasso alheio; a união de tempos de festa é a indiferença dos dias comuns, e por aí segue. O que somos e o que poderíamos ser, o potencial desperdiçado, isso sim justifica a melancolia e frustração, contudo, era resignado, afinal ele mesmo tinha suas lacunas éticas apesar do esforço contrário. Esse é o bônus da experiência.
A despeito do caráter pessimista de suas elocubrações natalinas, ao observar a prole de sua prole sorrindo fácil, brincando solto, inocente, encantado com a agitação, com a novidade, sentiu-se a própria "poeirinha da poeira" da eterna ampulheta da existência. Sim, aceitaria facilmente a proposta de viver inúmeras vezes tal qual vivera até então, mesmo sem haver nada de novo ou diferente, cada dor e cada prazer, cada pensamento e cada suspiro, e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande a retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência, do mesmo modo aquela celebração, e do mesmo modo aquele instante e sua própria essência.
sexta-feira, dezembro 24, 2010
quarta-feira, dezembro 22, 2010
Essa tal de Astrologia...
“A ti Escorpião, darei uma tarefa muito difícil. Terás a habilidade de conhecer a mente dos homens, mas não te darei a permissão de falar sobre o que aprenderes. Muitas vezes te sentirás ferido por aquilo que vês, e em tua dor te voltarás contra Mim, esquecendo que não sou Eu, mas a perversão de Minha Idéia, o que te faz sofrer. Verás tanto e tanto do homem enquanto animal, e lutarás tanto com os instintos em ti mesmo, que perderás o teu caminho; mas quando finalmente voltares, terei para ti o Dom supremo da Finalidade.”
E Escorpião retornou ao seu lugar.
(Original de Martin Schulman – Karmic Astrology: The Moon’s Nodes and Reincarnation, 1977)
quinta-feira, dezembro 02, 2010
Guga rumo ao topo.
Há 10 anos, na Masters Cup de Lisboa, Guga vencia pela primeira vez Pete Sampras, vitória que o fez chegar à final e vencer André Agassi no dia seguinte para se tornar o número 1 do mundo.
Neste vídeo está a sequencia final da partida, onde segundo o próprio Guga, jogou o ponto "de sua vida" quando tinha 30/40 servindo para fechar a partida. Demais!
Neste vídeo está a sequencia final da partida, onde segundo o próprio Guga, jogou o ponto "de sua vida" quando tinha 30/40 servindo para fechar a partida. Demais!
Grandes Esperanças - por Cora Rónai
A imagem dos traficantes fugindo, apavorados, pela estrada de terra, é a imagem mais forte da guerra: lá iam os canalhas que não hesitam em assaltar, fazer arrastões, ferir e matar gratuitamente. Vermes, todos eles, covardes quando despidos das armas e dos números que fazem a sua força. Bandidos pé-de-chinelo, no sentido mais literal da expressão. E, no entanto...
* * *
Meus netos gêmeos passaram aqui no domingo. Estão com um ano e três meses, andam para todos os lados e fazem as gracinhas típicas da idade. São lindos e engraçados, inocentes das maldades do mundo. Querem carinho e atenção, como todas as crianças, e processam o que vêem à velocidade da luz. São pequenas páginas em branco em que a vida vai, gradativamente, escrevendo as suas histórias.
Os dois têm a sorte extraordinária de terem nascido no seio de uma família bem estruturada, que pode lhes dar amor, comida adequada e educação. Nada fizeram para isso, exceto acertar na grande loteria da existência.
Poderiam igualmente ter nascido no Complexo do Alemão, numa família sem amor e sem recursos ou, eventualmente, em família nenhuma. Poderiam ser filhos dos miseráveis que fugiam desesperados de um morro a outro. Poderiam, em alguns anos, ser aqueles miseráveis.
Não tenho pena de assaltantes e de assassinos, mas não consigo deixar de ter pena das crianças que um dia eles foram. Ninguém pede para nascer numa comunidade abandonada, de onde o poder público se retirou há décadas. Vejo o olhar confiante dos meus netos e imagino o mesmo olhar em crianças cuja confiança será traída a cada passo, cuja esperança será destruída antes mesmo que saiam da primeira infância.
Caso sobrevivam, que opções encontrarão pela frente? Quem lhes ensinará um ofício, quem lhes explicará que o crime não é um meio de vida correto e aceito, quando, à sua volta, todos se curvam ao poder dos criminosos?
Não acho que “a culpa é da sociedade”. A “sociedade” trabalha como um camelo e paga cada vez mais impostos, exatamente para que os gerentes que elege para cuidar do coletivo possam construir e manter escolas e hospitais, organizar e vigiar a polícia, prestar atenção à urbanização e assim por diante. A culpa tem nome, endereço e CPF: todo governante, todo político que desviou dinheiro, que fez acordo com o crime, que preferiu as pompas do poder ao trabalho que foi contratado para fazer.
Também não acho que a culpa pela violência seja dos usuários de drogas, teoria tão em moda nos últimos tempos. Parte da humanidade precisa de entorpecentes desde que o mundo é mundo, e há viciados em todos os cantos do planeta sem que, na esteira do vício, se crie essa violência toda. Já escrevi isso aqui uma vez: sou absolutamente careta, não consumo droga de espécie alguma, sequer batata frita do Mac Donalds, mas sou a favor da liberação de (quase) tudo – sem embalagem atraente e, sobretudo, sem propaganda e sem endosso de celebridades. O álcool é tão ou mais prejudicial à saúde do que a maconha ou a cocaína e, no entanto, é vendido livremente – como deve ser. O que está errado é o estímulo constante ao seu consumo. Mas essa é uma longa história, e uma outra crônica.
Como todo mundo que mora no Rio, fiquei primeiro angustiada, e logo aliviada com o desenrolar da guerra. Senti emoção ao ver a bandeira brasileira tremulando no alto de um morro de onde nunca deveria ter metaforicamente saído, e orgulho pelos policiais e pelos militares que conseguiram o que se dizia impossível: a retomada do Alemão sem um banho de sangue. Foi um belo momento, que vai viver na memória de todos nós que, ao longo dos anos, acompanhamos a escalada da violência.
Depois li que o prefeito quer instituir o dia 28 de novembro de 2010 como data de refundação da cidade. Com todo o respeito, menos, senhor prefeito, menos. Não diminuindo a importância do que foi feito, penso que ainda há muito a ser realizado até que o carioca possa, de fato, dizer que a sua cidade nasceu de novo. Aí está a Rocinha que não me deixa mentir; mas aí está o próprio Alemão e, sobretudo, aí estão as centenas, se não milhares, de crianças e jovens do tráfico.
Retomar o território dos traficantes é só o primeiro passo – enorme, com certeza, mas, ainda assim, só o começo do que deve ser uma longa caminhada. Os serviços públicos precisam ser regularizados, a população precisa ser atendida nos seus anseios de cidadania. Mas, acima de tudo, as crianças e os jovens têm que receber atenção prioritária das autoridades. Não basta construir escolas; é preciso pô-las para funcionar, e bem, e garantir que nenhuma criança deixe de ir às aulas. A única saída para a barbárie é a educação.
No grande saldo positivo da guerra, há uma história feliz acontecendo no Twitter: o usuário @vozdacomunidade , que tinha cento e poucos usuários no começo da semana passada, passa de trinta mil no momento em que escrevo. Este é o endereço do jornal Voz da Comunidade, que completou cinco anos de bons serviços prestados. Seu fundador, Rene Silva Santos, está hoje com 17 anos.
Ao longo de todo o cerco, ele foi uma linha direta entre o Complexo do Alemão, onde nasceu e cresceu, e a turma conectada. Fez sucesso: deu entrevistas à televisão, aos jornais e revistas, conversou com repórteres estrangeiros. E, com isso, trouxe o Alemão um pouco mais para perto de todos nós. Valeu, Rene!
* * *
Eu amo o Rio.
(O Globo, Segundo Caderno, 2.12.2010)
quarta-feira, dezembro 01, 2010
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