Praticamente durante meio século vivemos sob os efeitos de uma guerra ideológica entre duas grande potências, que sempre encontraram no esporte um forte eco de sua representação. A supremacia no quadro de medalhas nos jogos olímpicos era pra os EUA e a antiga URSS uma questão de Estado. "Uma guerra sem armas", como diria Orwell. E é exatamente isso o que representa o sucesso dos jogos de Pequim (e da delegação chinesa é claro) para o primeiro ministro Hu Jintao: prioridade máxima do Estado. Tokio em 1964 e Seul em 1988 também celebraram com suas olimpíadas a chegada de um tempo de poderio econômico de seus países, mas nada comparado aos índices da China atual.
Há três décadas o país vem registrando uma média de crescimento do PIB na casa de dois dígitos, crescimento que intensificou-se após a entrada na OMC em 2001, coincidentemente no mesmo ano em que conquistou o direito de sediar os jogos. Mas afinal, hospedar uma olimpíada acelerou o processo de crescimento e modernização da China? Penso que o oposto é verdadeiro.
As forças que operam a modernização e abertura do país são independentes aos jogos. A velocidade com que o país se integrou ao modelo globalizante nas décadas de 80 e 90 culminou com a entrada na OMC no ínicio desta década, sendo efetivada como uma economia de mercado de fato, e, desde então, vem registrando um crescimento contínuo sem precedentes na recente história capitalista. O outro fator crucial é a tecnologia: a popularização da internet e da telefonia móvel promove uma verdadeira revolução cultural na sociedade chinesa. Contrastando com tal cenário, as olímpiadas possibilitam um retrocesso para um viés mais autoritário do partido comunista. O pretexto do risco de terrorismo, legitima um recrudescimento das forças de segurança e do controle da informação pelo governo. Dificuldades na liberação de vistos para estrangeiros, expulsão de milhões de cidadãos chineses de Pequim, supressão de qualquer tipo de manifestação política e fechamento de fábricas, são algumas das medidas arbitrárias e ditatoriais do governo chinês, regredindo 30 anos na história em termos de liberdades individuais, o que sem dúvida tira um pouco o brilho e a beleza do moderno ambiente arquitetônico que o país apresenta ao mundo.
É genuíno e louvável todo esforço e orgulho do povo chinês em sediar os jogos, não obstante, com a perda da ideologia comunista, o partido foca sua base de sustenção no rígido controle político, no crescimento econômico e no apelo nacionalista, e esse último pode ser um perigo. Nacionalismo exacerbado fomenta a competição, e geralmente é necessário eleger um inimigo.